Revisitar-se de tempos em tempos - Psicanalista Sandro Cavallote
17140
post-template-default,single,single-post,postid-17140,single-format-standard,bridge-core-2.6.4,qode-page-transition-enabled,ajax_fade,page_not_loaded,,qode-title-hidden,hide_top_bar_on_mobile_header,qode-child-theme-ver-1.0.0,qode-theme-ver-26.4,qode-theme-bridge,disabled_footer_bottom,qode_header_in_grid,wpb-js-composer js-comp-ver-6.6.0,vc_responsive

Revisitar-se de tempos em tempos

Pegando o gancho do texto anterior, comecei a pensar sobre minhas resistências. Isso surgiu em minhas análise pessoal (sim, é de suma importância que o analista também tenha seu próprio acompanhamento com outro profissional por vários motivos) e decidi olhar para o que resisto no dia a dia. Não é fácil fazer esse confronto, pois a resistência está presente diariamente em nossa vida. Mas a partir de quando ela se torna um problema?

O ato de resistência é inerente a todos e ela é importantíssima na psicanálise porque implica uma série de conflitos intrapsíquicos que precisam ser trabalhados. Mas esse enfrentamento não é fácil e nós tampouco estamos interessados em sair de uma zona de conforto com um assunto qualquer (nossas opiniões que não mudam, por exemplo, e que geram prazer no não fazer nada a respeito…), mas como fazer isso de uma forma que o colocar-se perante à opinião do outro possa trazer benefícios? Como mudar nosso comportamento ao revisitar tópicos que, teoricamente, são imutáveis?

Muitas vezes o olhar o outro pode ser extremamente positivo, nem que nos gere certa aversão inicial, pois a resistência está ali. “Para quê mudar se está tudo bem? / em time que está ganhando não se mexe / foi assim que aprendi e assim é / é algo que vem de família / não vou me sujeitar a aceitar que o outro está correto”, entre outras coisas que ouvimos em clínica. Se confrontar é um processo difícil, mas extremamente enriquecedor e positivo quando bem trabalhado.

Na verdade, esse ato de revisitar-se pode ser colocado em prática com pequenas coisas que que, em análise, você se sinta mais à vontade para trabalhá-lo. Eu sempre tive uma reação negativa ao The Strokes, uma banda de rock de sucesso. As músicas sempre me pareceram iguais, sem nada de inovador, algo me dizia que eu não gostava da sonoridade. Essa era uma realidade intrínseca em mim em conversas com amigos, quando alguma música tocava no rádio, quando o assunto surgia em alguma festa. Mas eu formei essa ideia há mais de 15 anos atrás, durante o lançamento do primeiro single da banda. São quase 2 décadas com uma ideia que me acompanhava. 7 álbuns da banda. Alguma coisas deve ter mudado nesse tempo, inclusive em mim. Um amigo comentou sobre a banda em nosso grupo de Whatsapp. Torci o nariz. Respirei fundo, confrontei essa resistência que eu tinha e decidi ouvir a discografia toda.

Se havia algum prazer em mim ao dizer que não gostava da banda, ele foi totalmente substituído e intensificado por ouví-los novamente, 15 anos depois. Isso aconteceu há poucos meses, e hoje as músicas deles são parte do meu dia a dia. Nós não somos melhores ou piores do que éramos antes, somos apenas diferentes. Eu e banda. Nossas necessidades são outras, nossos desejos são outros, nossa forma de olhar para tudo é outra. E não devemos deixar nossas resistências serem responsáveis pelo nosso gozo com o não, mas sim olhar para cada uma delas como se elas fossem um alerta pois, se bem trabalhadas, as resistências são uma importante ferramenta no tratamento analítico. E revisitar-se de tempos em tempos é parte fundamental para a busca de uma melhor qualidade de vida emocional, física e psicológica. Eu sei que dei um exemplo que, para você, pode parecer simples, mas para quem está enfrentando uma resistência, nunca é simples. Cada um tem suas limitações, desejos e forma de encarar os desafios, ainda mais os que nos são impostos como expectativas por anos e anos. A ideia aqui é dizer que nunca é cedo e nenhuma resistência é pequena o suficiente para ser revisitada, e que exercitando nas pequenas coisas, as mais complexas finalmente parecerão mais fáceis de serem transpostas.

Afinal, precisamos começar de algum lugar, não é?



Abrir Chat
Posso ajudar?