Quando “não ter tempo” vira um estilo de vida - Psicanalista Sandro Cavallote
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Quando “não ter tempo” vira um estilo de vida

Dentro de nossa realidade cotidiana, certamente você já conheceu alguém que nunca tem tempo. Alguém que está sempre ocupado, que está sempre atrasado para algum compromisso, que está sempre com a agenda comprometida. Com trabalho, claro.

Por trás deste comportamento de alergia ao descanso, existem várias ansiedades e fugas. O simples fato de pensar no ócio (que é parte importantíssima para que possamos nos sentir melhor e nos tirar da rotina imposta) e na opção de estar consigo mesmo por algum tempo criam afetos que conduzem a um “medo de parar” ou até a um desprazer relacionado a calma e sossego. A outra forma de leitura desse desprazer é a de criar prazer com atividade em excesso.

Isso está ligado a vários fatores. Muito deles com a estrutura de velocidade da comunicação e de como as pessoas estão sendo cobradas em relação à produtividade no momento atual, mesmo com a pandemia em andamento. Inatividade virou sinônimo de não-produção o que, por si só, é uma visão de mercado que faz com que a pessoa entre em síndromes e transtornos por excessos, como o conhecido burnout.

Em clínica, o que vemos é que essas pessoas temem o autoconhecimento, o “enfrentar a si mesmo”. Olhar para si sem a armadura do faz-tudo-o-tempo-todo. Aquele momento necessário para que você possa ponderar suas decisões de forma mais assertiva, sem ser cobrado por ninguém além de você mesmo. Aliás, este é um dos grandes sintomas advindos dessa forma de agir: porque é fácil ser cobrado por todos, mas quando é para olhar para si, desvia-se o olhar impondo uma atividade qualquer? Um Outlook recheado de tarefas sem tempo nem para almoçar? Uma planilha que precisa estar sempre verde? Um novo app para ajudar a ser “mais produtivo”?

Não nos esqueçamos de que esta imposição começa lá na infância, com o desejo dos pais sobre nós. Quem você vai ser, quem ele gostaria que você fosse, já que ele não o foi. Tudo isso permeado com o discurso de oportunidade, discurso esse também utilizado pelo mercado durante toda a sua vida. E não pensar sobre isso revestido de “não tenho tempo” só vai adiar o inevitável questionamento: o que estou fazendo com a minha vida?

Frases como “não tenho mais tempo para nada” ou “não rendo mais o que rendia antes” estão se tornando cada vez mais comuns. Inclusive, ficar usando estas frases como mantra pode até trazer uma certa situação de status premiado pela sociedade, o que está errado. O problema nunca estará em quem realmente está trabalhando o tempo todo, mas quando isso se torna algo intrínseco, que torna-se necessário repetir para si mesmo e para todos que permeiam seu ambiente. A pessoa que está exausta, cuja empresa está esfolando com horas extras não remuneradas, que precisa manter seu emprego a qualquer custo e que está ali pela necessidade sabe que precisa parar e respirar de vez em quando. E, em algum momento, vai sentir-se tão mal com essa situação que tomará alguma atitude, claro, no seu tempo. Estamos falando daqueles que sentem-se regozijados com o medo de parar. Com o medo de que o outro o julgue por inatividade. E que sinta prazer com essa ausência de tempo a ponto de sentirem-se improdutivas por isso. O obcecado por dizer que não tem tempo para nada torna esse comportamento um estilo de vida.

O “não fazer nada” é visto com desdém pela sociedade quando, na verdade, é o simples ato de utilizar seu tempo livre sem obrigações com ninguém, a não ser com si próprio. É o ato de ler algo que não tenha nada a ver com o trabalho, em assistir algo que o faça ter emoções que nada tem a ver com produtividade, é deitar no chão e olhar para cima só porque quer fazer isso, sem um pedido formal do chefe.

Ter um tempo ocioso seu pode ser um convite para você se reconectar. O mundo está acelerado demais e com metas que não há como serem cumpridas, e isso afeta nossa saúde emocional, alterando qualquer projeção de qualidade de vida. Tempo de lazer é sinônimo de saúde, reduz o stress, nos faz resolver problemas com mais facilidade e aumenta nossa criatividade. Muitas pessoas temem esses momentos porque inevitavelmente precisarão confrontar decisões que estão sendo adiadas há muito tempo, como uma auto-reflexão sobre caminhos, presente, futuro, entre outros. Uma fuga para não ter que lidar com essas dificuldades e reconfigurações necessárias.

Ninguém vai cuidar de você do jeito que você precisa ser cuidado. Nossos parceiros podem dar um suporte necessário e importante para a vida, mas suas reais necessidades só você pode compreender. Dê-se a oportunidade.

(Imagem: M. C. Escher / Relativity / 1953)

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