[Textos] Nossa falsa busca diária por controle
Assisti ao novo (e maravilhoso) filme de David Fincher nesta semana, “O Assassino”, e fiquei encantado com como dá pra se contar tanto sobre um personagem a partir de outros elementos que não da sua fala. Ou, melhor, a partir do não-dito em sua própria fala em muitos momentos. É um filme sobre ansiedade, necessidade de controle e acasos que a vida nos proporciona.
Porque a tal necessidade de controle é algo extremamente presente em clínica. No mundo moderno, parece que temos controle sobre tudo a partir de nossa organização pessoal, pelos gadgets que usamos, pelos aplicativos que prometem organizar nossa vida, pela agenda toda bem organizada a partir do Google. É uma ilusão de controle muito bem orquestrada pela cultura a partir de nossas falhas estruturais e necessidade de completude.
Quando eu leio e releio Freud, a sua percepção de “prazer no desprazer” se faz muito presente quando o discurso atravessa a estrutura do controle. Eu sofro pelo descontrole, mas tentar controlar é extremamente prazeroso. Entretanto, dentro dessa ilusão, há um elemento impreterível e complemente adverso às nossas expectativas: o acaso ou, como eu prefiro chamar, o caos. Afinal, por mais milimetricamente orquestrado que tudo esteja, haverá sempre o elemento da periculosidade do que simplesmente existe e não se dimensiona através do meu Eu. É algo que se apresenta sem convite, na interseccionalidade do acaso. E aí, para controladores extremos, tudo rui. “Nada dá certo”. “Eu não sirvo pra nada”. “Como não vi isso antes?”. Sendo que, na verdade, a incorporação do caos em nossas vidas dá certo vigor (e humor) para os percalços de desencontros.
Muito mais do que ter que lidar com a devastação causada por um possível ressentimento contra si mesmo, um pouco de desarmonia pode ser aquilo que faltava para que a vida não seja tão definida pelas nossas neuroses. E incorporar o acaso em nosso cotidiano é uma forma de pertencer ao caos, assim como não se culpar tanto quando algo dá “errado”.