[Minissérie] “The dropout”
Nós temos a tendência de perceber o sofrimento mental como algo que se apresenta por uma não-relação com a realidade, fugas que se apresentam na forma de transtornos e pela desconexão de si. Mas e quando as dinâmicas das angústias são maquiadas com elementos de discursos que focam sucesso, realização e propósito?
E quando os excessos são colocados diretamente na nossa frente e aplaudimos (e até enaltecemos) o sofrer pela tal… resiliência?
Estar na jornada psicanalítica é, claro, estudar constantemente a visão clássica dos sofrimentos e como se dá o enfrentamento a cada uma das formas às quais ele se apresenta. Entretanto não há como dissociar a cultura e o desenvolvimento tecnológico como fontes de angústias extremas, ainda mais quando a internet e as grandes corporações batem palmas, e até incentivam quem se identifica com o discurso de “não desistir” ou “não existem limites”.
Desistir é importante. Assim como estabelecer limites. O burnout é uma realidade cada vez mais presente no setting analítico.
“The Dropout” conta a história de alguém que teve uma ideia baseada na obsessão por se tornar “alguém”, se utilizando de subterfúgios emocionais e psicológicos que divagavam sobre as tais “causas nobres”. Não importa se a ideia é realizável, pois o que importa mesmo é a obsessividade e o poder de persuasão que se dá pelo caminho.
Tudo isso visto como invulnerabilidade, até num contexto patológico. E aí, para atingir os objetivos propostos, o sofrimento do outro não me importa, pois o discurso do salvamento é também o discurso do meu próprio salvamento. O poder inebria qualquer grande causa, mesmo que seja uma fraude. E a história de Elizabeth Holmes e de como ela enganou o mundo com a empresa Theranos precisa ser lembrada como a grande farsa que foi. E como a organização psíquica precisa ser levada muito mais a sério do que a levamos.
Afinal, eu não posso falhar. E as novas formas de sofrimento estão aí, atreladas à modernidade. E o psicanalista da atualidade precisa estar alinhado com elas, pois o setting analítico também é um espaço de reflexões, inclusive sobre nossas próprias responsabilidades.
“The dropout”
(*Disponível no Star+)