
[Livros] “Coisa de Menina”, Maria Homem e Contardo Calligaris
Entre os desafios da psicanálise contemporânea está a incorporação de elementos essenciais ao debate das novas formas de sofrimento e um dos mais proeminentes é a questão de gênero. Afinal, por mais que você torça o nariz para o assunto, se sua jornada pela psicanálise está ativa é mais do que obrigatório que você abra sua Escuta para tais dilemas. Caso esteja relegando este tema a partir de uma construção pessoal, está descartando oportunidades riquíssimas de acolhimento, inclusive das mazelas pessoais.
Mais do que o binômio biológico menino-menina, a subjetividade a partir do desejo da mulher, tão recalcado e destituído em sua complexidade durante boa parte de nossa dita civilização. A pergunta feita por Sigmund ainda ressoa em cada um de nós: “O que quer uma mulher?”. Pensando em possíveis espaços de acolhimento, talvez a psicanálise seja um elemento fundamental para tal Escuta não apenas para o encontro com as respostas, mas para que perguntas mais alinhadas ao Desejo possam ser feitas em um espaço ético, de acolhimento e sem julgamentos.
A proposta do livro de Maria Homem e Contardo Calligaris é nossa participação em um diálogo entre eles. Às vezes como ouvintes, às vezes como participantes subjetivos de nossos próprios dilemas. A proposta de “repensar o feminino” não parte de um lugar comum, mas sim de uma construção secular que se extende até os dias de hoje, e que encontra muita resistência evolutiva dos elementos conservadores. E faz muito sentido para nós, psicanalistas, Escutarmos o que tais feminismos têm a dizer.
Em uma época de redpills, objetificações e violências das mais variadas contra as mulheres, discursos retrógrados (inclusive de elementos das saúde mental), além de dinâmicas de projeções arcaicas sobre modelos que já não nos servem mais, tais debates mostram-se cada vez mais importantes. Muito mais do que uma obra sobre teorias, são dois psicanalistas abordando práticas e vivências que são compartilhadas para ressoar durante a leitura. E talvez isso seja muito mais importante do que conceituações e verborragias em excesso.
“Coisa de Menina”
Maria Homem / Contardo Calligaris
Editora Papirus