[Livros] “As novas doenças da alma”, Julia Kristeva
Quando estudamos psicanálise, um dilema sempre se apresenta durante nossas trocas, sejam em grupos nos quais estamos inseridos, seja nas organizações das supervisões ou até em nossa análise pessoal: com tanta base ortodoxa e clássica (fundamentais para a jornada), como ficam as aplicabilidades em um mundo moderno, com o espaço de mais de 100 anos entre “Interpretação dos Sonhos” e a nossa dinâmica com memes, por exemplo? Como será que Freud observaria a subjetividade do indivíduo em nosso momento presente?
Divagações à parte, uma das coisas às quais me dedico boa parte do tempo é a construção de espaços psicanalíticos focados nas ferramentas basilares da psicanálise mas, também, nas trocas desse sujeito atual, com suas incidências tecnológicas e toda a gama de angústias pós-modernas que possam ser desenvolvidas. Incluo aí os conflitos intergeracionais, os adolescentes de antes e os de agora, a incidência da internet e tecnologia e, claro, o que temos chamado de novas formas de sofrimento.
E uma das obras propulsoras de boa parte da minha prática / transmissão se deram pelo livro da psicanalista Julia Kristeva, “As novas doenças da alma”. Ela se propõe a trazer perguntas em seus ensaios, colocando situações que podem ser fundamentais para a clínica atual: a psicanálise tradicional ainda é eficiente? Existe um novo tipo de paciente? Os distúrbios da atualidade estão previstos nas teorias clássicas?
Expando esses conceitos sobre o indivíduo moderno, com o celular na extensão de si, por exemplo. O que observo em clínica é que o indivíduo moderno é tão incidido por dilemas de trabalho, relações humanas, exageros diversos, consumo, impulsos neurais, extrapolações do ID e obliterações do SuperEgo tão intensas que precisam de uma Escuta mais apurada, de diferentes velocidades.
E o ferramental clássico? Todas ainda funcionais no setting analítico. A união entre as construções freudianas e as angústias da atualidade podem, sim, ser transformadoras. Mas talvez apenas para aqueles que se permitirem uma Escuta mais ampla e minuciosa do discurso. Afinal, a neurose atual pode ser um belo motor para que possamos Escutar o que realmente importa daquela “criança-no-adulto”.