[FilmeS] O Milagre
Por mais polêmico e indigesto (para alguns) que possa parecer, nossa mente muitas vezes encontra subterfúgios no fantástico para coisas que não consigamos explicar dentro de uma racionalidade, e a religião não é exceção. Podemos ficar tergiversando sobre fé e crenças, mas para caminhar na jornada psicanalítica, lidar com elementos da fantasia é parte basilar de nossas construções simbólicas.
“O milagre” é um filme que, em primeira instância, pode parecer apenas um filme sobre dogmas e doutrinas, mas há alegorias suficientes para uma construção sobre bases metafóricas e como nossa mente organiza o inexplicável na figura de um jejum milagroso desenvolvido por uma jovem em meados do século 19, tema que atrai a atenção da igreja e de uma enfermeira que vai investigar o caso.
E, conforme o filme avança, os conflitos começam a se apresentar e as crenças são expostas. Algumas no sentido religioso, algumas no direcionamento de sustentar uma narrativa que eleva o discurso para manutenção de controle a partir do fantástico. E aí é onde o simbólico se apresenta, e nosso desenvolvimento individual começa a reverberar no coletivo, inclusive até em estados alterados da mente que podem auxiliar no trâmite de conteúdos pré-conscientes em confluência com a consciência, mas tudo isso desenvolvido com base no que cada um de nós alimenta como experiência relacionada à fé.
Mas quando se busca algo relacionado à verdade, tudo o que acreditamos pode ser colocado em xeque. Pois há, em situações coletivas, os interesses advindos dos tais elementos da fantasia. E nestes casos, mesmo que todas as evidências levem para um caminho de racionalidade, muitas vezes precisamos dessa construção simbólica para reelaborar o que se apresenta.
Porque, como diria Freud: “A incapacidade de tolerar a ambiguidade é a raiz de todas as neuroses”.
Aliás, o título original do filme é “The Wonder”, ou, na tradução direta, “A Maravilha”. O que é um exemplo fantástico de como lidamos com a multiplicidade de significados para elaboração de conceitos. “O Milagre” parece muito mais aceitável do que sua versão original. O que diz muito sobre nós mesmos…