
[Filme] “O homem elefante”
Estava relendo o clássico de Guy Debord, “A sociedade do espetáculo”, em que ele atravessa o pântano lodoso da estruturação do que hoje chamamos de sociedade de consumo, formatando ideias lá em 1967. Este livro não é apenas um excelente elemento de provocação para a relação que temos com o capitalismo na atualidade como também desenvolve dinâmicas com a espetacularização tornou-se necessária para que funcionemos, dentro desse sistema, como grupo social.
Há centenas de exemplos, desde os programas “policiais” (que, na minha visão, são apenas intensificadores de sofrimento e estressores da realidade), passando pela desumanização dos grupos tidos como minorias, assim como nos comportamos com acidentes de carro ao vivo (o não conseguir desviar o olhar) ou, mais evidentemente, as notícias acerca de mortes violentas na mídia e, o mais recente, mas que já existe há décadas, documentários sobre serial killers.
O enfrentamento da violência a partir da construção de uma fantasia sempre existiu. O suportar a partir do entretenimento, também. Mas, provavelmente, a internet intensificou demais esta corda, a ponto de nos tornar dessensibilizados ao que acontece ao nosso redor. Seja pelas fake news, seja pela busca pelo clique, o espetáculo com foco na violência (física, emocional ou subjetiva), está em um novo patamar.
Isso me levou a rever outro clássico, agora de David Lynch: “O Homem Elefante”. Em 1980, com uma história relativamente simples, o diretor nos apresentou a vida de John Merrick, que nasceu desfigurado e era apresentado como atração de circo, até que um cirurgião decide apresentá-lo e introduzi-lo à sociedade. Mas, será que as relações circenses de afetos são tão diferentes assim, mesmo na comunidade científica? Será que o público dito “erudito” é tão diferente daqueles que riem das deformidades alheias? Como nos comportamos perante ao que nos é diferente?
A reflexão sobre a dignidade humana precisa permear nossa humanidade, independente se nos afeta diretamente. É o que nos diferencia, o que nos torna empáticos, o que nos direciona para o acolhimento e a transformação. Se há mais espetáculo do que há vida, certamente estamos errando em algum ponto.