[Filme] “A filha perdida”
No início dos nossos estudos em psicanálise, nos deparamos com as estruturas apresentadas por Freud e que permeiam boa parte do saber e início da clínica: neuroses, perversões e psicoses. Sabemos que mitos e fantasias são parte fundamental da jornada psicanalítica, e a indústria do entretenimento sabe lidar muito bem com isso. Para tanto, nos surpreende com peças que mexem com nosso imaginário, nossos medos, fantasias… sem falar em tais “grandes revelações” que, para nós, geram prazer pela sensação de montar um grande quebra-cabeças (outro grande paradigma da psicanálise, pois a desconstrução não é nada “mágica”, é grão a grão). Para tanto, são construídas figuras que extrapolam o limite da ficção. Tudo isso, nos traz sensações variadas, onde a figura do perverso ou do psicótico foi construída para alimentar nossa necessidade do fantástico, construindo estereótipos que se tornam difíceis de extirpar.
A verdade é que a clínica psicanalítica é basicamente focada no sofrimento neurótico. E há que se falar sobre o assunto desde cedo, pois somos altamente sugestionáveis ao que nos causa afronta. Somos todos neuróticos em algum ponto, e isso não diminui o sofrimento individual. Há bastante cuidado, acolhimento e dificuldade no manejo. Não há como diminuir o sofrer singular, pois ele é atravessador em sua essência. Se não há uma quebra com a realidade, há o enfrentamento dela. Se não há comportamentos deviantes, há uma necessidade de organização no discurso. E o neurótico está em angústia tanto quanto qualquer outra estrutura.
E “A filha perdida” é um exemplo maravilhoso de quão complexa é esta clínica, por lidar com problemas reais, como a maternidade, que demanda idiomas e continentes tão expansivos e complexos que é praticamente impossível passar incólume por ela. O filme demonstra muito bem tais dimensões das relações existenciais quando se é filha, mãe, avó, ou apenas si mesma. Há tantas camadas a serem debatidas, com uma quantidade sem fim de contrapontos e detalhes. Pois a busca de si é também olhar para trás, para todas as consequências de nossas escolhas, mesmo que não se goste do que se vê.