[Filme] “A baleia”
Na prática da psicanálise, a organização proposta por Freud em seu “recordar – repetir – elaborar” (um texto fundamental) se mostra presente a cada passo em que o analisante se propõe a discursar. Ao realiza-lo, com a construção correta do setting analítico, se depara consigo mesmo em uma outra perspectiva. O que era imutável agora é parte de um processo de transformação de si, de revisita, de remodelamento. Entre tais construções (sessão a sessão), ele deverá observar-se em seus excessos e faltas (outra premissa muito comum em análise), tudo isso de forma subjetiva, fora da dimensão da racionalidade. A mudança é interna, muitas vezes na forma de novas atitudes.
Durante estes encontros intrapessoais, nos percebemos em nossas lacunas (as que geramos e também as que foram geradas em nossa direção, inclusive para nos adequarmos ao convívio social) e nos exageros (que podem se tornar estruturas de compulsão e obsessividade), estes muitas vezes tão mais representativos, visuais e táteis em primeira vista.
“A baleia” é um filme sobre tais excessos e faltas, mas também da recuperação de si, de atuação da depressão, de um recordar para se posicionar, perdoar e ser perdoado. De um repetir, agora sob novas perspectivas, para transformar. E de um elaborar pessoal mas que reflete no coletivo, a partir das experiências que construímos durante uma vida toda. Excessos estes que o filme nos escancara visualmente o tempo todo, mas que também permeiam a busca das relações afetivas nas figuras objetais, nas religiões, na paternidade, na maternidade, nas famílias, nas amizades, nos amores, no imaginário, no simbólico e que resvala no real, trazendo a realidade como fundamentação maior sobre nossa percepção de vida e novos significados para o que antes era indelével.
A alegoria proposta sobre o livro de Hermann Melville como contraponto ao personagem principal não é só maravilhosa, mas nos coloca em uma revisita constante a nossas próprias atitudes e obsessões. Afinal, o capitão Ahab é a representação de um comportamento obsessivo. E, talvez, nós também tenhamos nossas Moby Dicks a serem caçadas diariamente. A pergunta é se vamos nos permitir ser engolidas por elas ou não.
(O diretor, Darren Aronofsky, acertou novamente, assim com o fez em “Réquiem para um Sonho”, “Cisne Negro”e “O lutador”)
“A baleia”
(The Whale)