“Aproveite o tempo para desperdiçar um momento”
Eu nem sou um grande fã de Kings of Leon (gosto muito dos dois primeiros álbuns, depois uma música aqui, outra ali), mas desde que ouvi “Waste a moment” (Desperdiçar um momento), fiquei com o refrão na cabeça. Provavelmente porque na clínica atual tenho me deparado muito com a construção do discurso do analisante a partir de uma noção de (perda) de tempo.
O que nos colocará sempre a pensar: como é que dá para “perder tempo”? Quando um conceito tão abstrato tornou-se fundamental para nossa constituição psíquica a ponto de trazer tanto sofrimento e angústia? Que informações sociais estão presentes desde nossas principais relações temporais a ponto de nos colocar em movimento constante na reparação de um possível prejuízo a partir de uma falta que não se justifica, porque o tempo é o tempo e ele estará sempre em movimento, como diria o poeta, e ponto.
Aforismos à parte, “Aproveite o tempo para desperdiçar um momento” é repleto de camadas. Porque fica clara a percepção de que, mesmo dedicando tempo ao prazer, estamos numa relação de desprazer. Vou aproveitar esse “meu tempo” para ir na rede social, para fazer compras, para realizar algo que sanará uma necessidade imediata, sem a percepção de que há um desperdício real neste processo. Raras são as pessoas que conseguem aproveitar o tempo e não desperdiçar o momento. Porque talvez seja sobre isso: o valor de um momento. Seja na relação com si próprio, seja nas trocas sociais, seja naquele famigerado (e tão atropelado) instante de reflexão que pode mudar tudo. O gozo fugaz confunde a entrega, como se ele fosse o suficiente para recarregar nossa força, o que no diminui no processo e nos faz escapar das perguntas fundamentais, sejam elas quais forem.
“Aproveite o tempo para desperdiçar um momento” e a epítome do assujeitamento. Daria para escrever um tratado sobre o assunto, só com as nuances subjetivas. Quem sabe?
E você? Quantos momentos você tem desperdiçado?