A análise e as diversas resistências
“This is Us” (atualmente disponível pelo Amazon Prime) é uma série que encontraremos com certa frequência por aqui. Além dos aspectos emocionais muito bem dimensionados, a série consegue fluentemente estruturar um ritmo de passado X presente X futuro muito bem montado, com a dosagem perfeita de ritmo musical (acredito que, em alguns momentos, até batimentos cardíacos sejam sincronizados com a bateria da música que esteja ao fundo, para vocês verem o cuidado com a presença da músicas na série, mas isso é papo para outro dia) e um elenco perfeito para um tema até corriqueiro: a vida em família.
Mas se uma coisa que está sempre presente, em todos os episódios que assisti, é como existem resistências diversas ao desenvolvimento de uma terapia desde cedo. Ok, a série não teria metade do teor dramático sem esses conflitos não resolvidos mas, como psicanalista, fica difícil não apontar a quantidade de momentos em que alguns traumas poderiam ser trabalhados e até superados se diagnosticados em tempo. Pois muita gente ainda deve pensar que fazer uma análise é um processo simples e com data de término. Uma análise bem feita requer coragem, responsabilidade e dedicação de ambas as partes. Mudar o conceito de que o acompanhamento profissional para manutenção de dores, afetos, ansiedade exagerada, depressão, não realização de objetivos pessoais ou profissionais ou a compreensão do sucesso real (entre muitas outras situações) é uma luta dura e constante dos terapeutas e analistas. Mas tudo parte daquele único e primeiro passo: o da coragem de enfrentar o problema.
Partindo desse ponto fica mais fácil estruturar uma linha de raciocínio: se você tem uma dor física, você vai ao médico. Isso é um fato assimilado por qualquer um (mesmo que numa escala tardia em alguns momentos) e que a sociedade promove e celebra. Por que não fazer o mesmo pela sua mente, pelo seu equilíbrio emocional? Quando você está se sentindo mal emocionalmente sem muitas vezes não saber o motivo, por que não buscar ajuda? Existem várias respostas para esta pergunta, mas todas fundamentas no conceito de resistência.
O que é a resistência na psicanálise? Uma excelente síntese foi publicada por Roudinesco & Plon, no Dicionário da Psicanálise: “é o conjunto de reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculo ao desenrolar da análise”, mas eu vou um pouco além da definição e compartilho que a resistência pode ter início antes de se começar uma análise, somente na negativação da necessidade ou da sugestão por um amigo ou conhecido. O “eu não sou louco” ou “eu consigo resolver isso sozinho” é parte do nosso cotidiano, sendo que, inconscientemente, iniciar um acompanhamento torna-se um processo doloroso e que requer muita, muita coragem.
Afinal, quer uma maior resistência do que a sugestão de que você terá de olhar para si mesmo, sem desculpas? O seu eu como ele realmente é? Será que as pessoas estão preparadas para isso?
Pois este é o primeiro passo para uma melhor qualidade de vida. Conhecer a si mesmo com o auxílio de um profissional da área requer muita coragem, mas faz muito a diferença. Muitas pessoas são vencidas pelo desespero e correm até um terapeuta ou analista porque já não conseguem mais lidar com seus medos, traumas e outros fatores limitadores, e acabam buscando soluções rápidas, alívios momentâneos ou até a autoanálise. Mas é preciso um olhar externo, um olhar treinado e atento para esta investigação pessoal. Uma análise bem executada, como já dito, requer dedicação e contribuição entre os dois: o analista e o analisando. Entender, confiar e dar o primeiro passo podem fazer uma grande diferença nas próximas decisões que você precisará tomar. Ter a primeira conversa com o analista é um grande primeiro passo, mas ter a coragem de encarar a responsabilidade do acompanhamento e todas as resistências que o acompanharão (“hoje não estou bem” / “hoje estou bem e não preciso” / “vou marcar aquela reunião no mesmo horário” / “tenho hora extra para fazer” / “vou desmarcar porque não tenho sobre o que falar” / “não tenho dinheiro para bancar” / “sexta está chegando e eu tomo umas e pronto”, são apenas algumas delas – fique à vontade de incluir a sua aqui) podem ajudar a entender o seu passado, contribuir na manutenção do seu presente e moldar melhor o seu futuro.
Portanto, quando sentir que precisa de ajuda, não hesite em procurar um profissional. O que pode parecer um incômodo, se bem trabalhado, pode se tornar uma grande ferramenta para uma vida mais feliz, menos confusa e, certamente, mais emocionalmente estável.
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