[Filme] “Aftersun”
Não há dúvida de que, segundo a psicanálise, nossa construção infantil está intrinsecamente ligada ao que nos tornaremos. As relações que desenvolvemos, as referências, os espelhos e, principalmente, nossos cuidadores (sejam eles nas figuras dos pais, avós, tios… a proximidade nas relações do saber, alegrias e frustrações definirão suas importâncias). E, de tempos em tempos, existem obras cinematográficas que conseguem transpor a película e passar informações emotivas que transgridem as regras da comunicação, ou melhor, se utilizam de seus mecanismos para que possam seguir muito além das palavras.
“Aftersun” é uma dessas obras. Na representação de alguns dias de férias de um pai e sua filha, o não-dito reina supremo, nos pequenos detalhes, nas atitudes, na expressão de suas estruturas relacionais. A memória é parte de uma subjetividade que busca coerência na imensidão de sensações às quais precisamos nos adequar. E cada atitude conta para o trauma, para o sofrer que se perpetuará, principalmente aquele que, segundo Freud, é inerente a cada um de nós.
Pensamos o trauma como algo que se traduz pela carne, na maioria das vezes. Mas há os que são intrínsecos à nossa constituição. A experiência é singular e a dor transpassa nossa existência. Ela confabula com o que há de se tornar, buscando uma reconciliação na transição da criança que se torna adulta e, também, na “criança no adulto”. O trágico que precisa ser revisitado em nossa consistência. O enfrentamento do que se torna.
*Este, certamente, é um filme que estará em nossos eventos sobre cinema e psicanálise muito em breve.
(Está nos cinemas e via torrent)
“Aftersun”
Dir: Charlotte Wells