Não fazer exatamente nada também é produtivo
Algo que ouvimos muito em clínica é o velho “não tenho tempo para nada”. Mas, na sequência, o próprio analisando percebe que a não-existência do tempo é uma incoerência e que, na verdade, a fala é sobre frustrações pelas não-realizações.
Em meados do século XVIII, ocorreu a grande Revolução Industrial. Depois de um período de cargas horárias inconcebíveis, desorganização trabalhista, falta de compreensão humana e familiar, entre outros, o discurso corrente era de que a mecanização e tecnologia trariam menos esforço físico para a humanidade, em que o trabalho braçal, aos poucos, fosse substituído pelo mental. Consolidava-se aí o conceito moderno de capitalismo.
Quase 200 anos depois a precarização do trabalho atinge seu ápice. Com o discurso renovado, agora maquiado de “empreendedorismo”, doura-se a pílula do “faça você mesmo”, “você consegue, só depende de você” e, o meu preferido: “trabalhe enquanto eles dormem”.
A revisita histórica é importante, porque ela está ligada ao fato de não estarmos “tendo tempo”. Dentro desta percepção estão as expectativas, concorrências e metas impostas pelo mercado diariamente. Cada uma delas, inalcançável. E o discurso midiático é enfático na culpabilidade: “se você fracassou, a culpa é só sua, que não se esforçou o suficiente”.
Dialética fácil, não é? E a ansiedade cresce, a frustração explode, e os traumas adquiridos ao longo de uma vida eclodem, somatizam. Junto com tudo isso, a “falta de tempo” faz com que busquemos soluções rápidas, paliativas, que dão uma sensação de alívio para o sintoma, mas não olham para as reais motivações que levaram ao estado de não-estar temporal.
Descansar é parte do processo produtivo. A produtividade também pode ser criativa, intelectual e até emocional, não apenas industrial. Mas, para isso, encontrar um tempo em sua agenda diária, sejam 5 ou 30 minutos, é de extrema importância. Além de lidar com os afetos, tem uma manutenção física que o cérebro agradecerá e recompensará com melhores escolhas e resoluções.
Ter tempo para você mesmo não é fazer nada. É encontrar pontos que havia esquecido, reprimido, é se reconhecer.
Pode ser doloroso? Pode, mas também pode ser surpreendente.